Wednesday 24 October 2007

Cidades de Minas: pesquisas do ICMS Cultural

No ano de 2006 e 2007, participei das atividades do ICMS Cultural, exercícios 2007 e 2008. Em 2006, trabalhei com as cidades de Nepomuceno e Pouso Alegre, elaborando IPACs e Dossiês. Neste ano, fui para Cordisburgo, Santa Vitória, Cascalho Rico, Uberlândia, Pirapora, Santa Rita de Jacutinga, Rio Preto e Nepomuceno. Cada cidade teve sua peculiaridade quanto às histórias e às fontes. Algumas despertaram maior interesse em mim que outras, mas em geral degustei cada palavra ouvida e lida como se eu estivesse abrindo um livro velho e intocado.

Em Santa Vitória, lidei com um trabalho inacabado de um senhor já falecido e amante dos fatos. Seus textos me proporcionaram muitas pistas para construir aquela história. Adorei cada momento. Pensava naquela terra ampla e larga, quente e clara todas as vezes que ia escrever. Lembrava-me do sol, do céu azul e da hospitalidade das pessoas. Gostei de ver o rio que fazia a divisa com o município vizinho e procurar incessantemente os dados sobre a antiga fazenda que deu origem ao lugar.

Cascalho Rico é uma cidade pequena cheia de pessoas alegres, entre elas, o Sargento Avenir. Ele me ajudou bastante com seu arquivo PDF sobre a história do lugar. A partir do que ele escreveu e de suas citações, tentei alcançar os passos dos bandeirantes e chegar ao sertão e depois, seguir a trilha de Saint Hilaire para tentar compreender a antiga Rio das Pedras. Já no século XX, a monografia da historiadora Juliana Cristina de Araújo mostrou a alegria dos cascalhoriquenses a partir da presença das bandas de música e, podemos acrescentar aqui, das festas populares que acontecem nos arredores do centro.

Em Uberlândia, fiz o histórico de dois dossiês: o Uberlândia Clube e a Escola Estadual Dr. Duarte Pimentel de Ulhôa. Foram trabalhos bem diferentes. A cidade é grande e para chegarmos às pessoas era preciso agendar, o que nos deixava parados em campo aguardando as entrevistas. Isso me deixava um pouco ansiosa, mas no fim deu tudo certo, as pessoas foram sempre simpáticas e dispostas a ajudar. O arquivo da cidade é ótimo e fomos muito bem recebidos e auxiliados. Mas acho que o momento mais legal dessa viagem à Uberlândia foi a entrevista com o Sr. Rondon Pacheco. Eu precisava falar com ele para dar mais credibilidade ao texto do clube, já que ele esteve presente na festa de inauguração. Ao mesmo tempo, estava escrevendo o dossiê do acervo do Guimarães Rosa e queria saber de quem partiu a idéia de criar o Museu Casa Guimarães Rosa. Foi por acaso que me indicaram quem era ele e onde estava. Foram apenas dez minutos de conversa em um tradicional café do centro. Acho que ele pensou que eu fosse jornalista, com meu caderninho de capa dura, uma lapiseira na mão e a máquina digital em volta do pescoço. Quis ditar para mim as respostas das perguntas que eu fazia. Assim, ele foi o meu mais difícil entrevistado, mas consegui o que queria: palavras dele para falar da primeira festa no clube freqüentado pela “fina flor da sociedade uberlandense” e a confirmação da minha hipótese de que foi ele quem quis criar um museu para Guimarães Rosa.

Em Cordisburgo, cidade de Guimarães Rosa, entrei em contato com o sertão. Dentro da sua antiga casa, passei horas debruçada sobre os documentos. Cartas e textos recebidos ou produzidos por ele. Quando me deparei com os rascunhos de Tutaméia, confesso, fiquei emocionada. Guimarães Rosa escrevia a caneta e depois vinha a lápis cortando e trocando palavras para atingir a perfeição do texto. Ver esse processo de modificação das frases... perdi as minhas palavras. Era como se eu estivesse entrando um pouco no raciocínio do escritor. Ali na minha frente. Era uma aula, uma aula de como um gênio das palavras confere leveza, firmeza, precisão e sonoridade ao texto. Foi simplesmente fabuloso! Voltei para BH e fui escrever sobre o acervo, o museu e o autor. Numa das noites, aquela angústia de quem precisa avançar no texto tomou conta de mim. Peguei o carro, meu pai resolveu me acompanhar, e sai. Fui a uma livraria e comprei o Tutaméia. Eu já tinha lido Sagarana e Grande Sertão: Veredas, mas nunca tinha lido Tutaméia. Eu o li no rascunho, escrito a mão pelo próprio Rosa. Precisava ter um exemplar dessa obra e anotar na primeira página o motivo da aquisição daquele livro. Jamais esquecerei Cordisburgo e o Museu Casa Guimarães Rosa.

Mas Cordisburgo não parou por aí. Ela me revelou muito mais de seu povo e sua história. Após o trabalho do Dossiê de Rosa, fui de novo para aquela cidade para os inventários de patrimônio na zona rural. Sempre com a arquiteta Sofia e o motorista, foram dois, um em um dos dias e o outros nos restantes, andamos na chuva, pisamos em trilhas de barro e atravessamos riachos. Conhecemos uma boa parte da área rural de Cordisburgo: um pedaço do sertão de Rosa. Foram histórias e mais histórias naqueles lugarejos e fazendas. Contaram-nos sobre as festas de santos, as folias de reis, histórias de vida e morte de muitos que ali vivem ou já viveram. Em cada casa, eram biscoitos, cafés e muita conversa, com aquele sotaque e sorriso gostosos de gente do interior.

Para completar o sertão, fui parar em Pirapora. O rio São Francisco estava tão cheio que era possível ver apenas o topo das traves do campo que ficava na praia, nem vi as pedras que tem ali. A água estava tão alta que algumas pessoas da cidade pescavam na mureta da orla. O trabalho em Pirapora foi esparso e estranho. Íamos de carro para os bairros mais afastados do centro e acabávamos tendo que fazer o inventário de uma área inteira porque nunca havia um monumento ou uma casa mais específica. Em alguns bairros, a atividade seguiu melhor fluxo e conseguimos conversar com as pessoas. Algumas pessoas me marcaram: uma senhora idosa que perdeu tudo na enchente na década de 1970, mas que nos atendeu com o sorriso muito feliz, um senhor muito simpático que nos contou a história do antigo aeroporto e a esposa do principal fazedor de carrancas da região que nos falou sobre seu marido e a arte das carrancas. Foi lá que eu e a arquiteta Mônica experimentamos um excelente surubim na brasa. Que delícia! E eu comprei uma carranquinha para meu chaveiro.

Pouso Alegre foi a primeira cidade que trabalhei para o exercício de 2008. A parte mais interessante dos seus IPACs foi o cemitério. Há dois túmulos cujos visitantes acreditam que os defuntos podem fazer milagres. Um deles pertence ao Dr. Coutinho e o outro a uma cigana. Ele era um médico muito caridoso que dava remédios aos pacientes carentes. Após o seu enterro houve uma infiltração no cimento do túmulo e começou a escorrer uma água que muitas pessoas entenderam como lágrimas que podem curar. Já a cigana é procurada para questões amorosas e seu túmulo está cheio de cera e batom.

Na região de Rio Preto e Santa Rita de Jacutinga, duas cidades próximas, a arquiteta Juliana e eu fizemos IPACs e completamos alguns dossiês. Muitas vezes não fomos bem tratadas, mas não foi em todos os casos. Ali o que mais me chamou a atenção foi a forma com que as pessoas tratam o caso dos Bustamantes Fortes, antigos proprietários da Fazenda Santa Clara. O dono da fazenda no XIX é considerado uma pessoa muito má e contam que ele cometia atrocidades com todos ao redor. No fim, aquela maldade toda estimulou minha curiosidade. Um dia vou estudar melhor o caso.

Por fim, menciono Nepomuceno. Trabalhei com a cidade nos dois últimos exercícios. Lá fiz alguns dossiês e o histórico do município, além de IPACs. Nepomuceno é a cidade de meus antepassados e cada rua ou história parece saber quem eu sou. Isso é um pouco estranho. Gostei muito do lugar e dos seus arredores. Jamais esquecerei a ida a Santo Antônio do Cruzeiro, antiga Trumbuca, onde conversei com pessoas muito engraçadas e simpáticas. Também me lembro do Porto dos Mendes, lindo, calmo e quente... a capela, o sino, o rio. As pesquisas sobre o Porto me incomodam até hoje porque não consegui descobrir o seu antigo nome, anterior a meados do XIX, mas continuarei procurando!

Com o tempo, colocarei nesse blog os textos dessas cidades e contarei um pouco do meu trabalho de pesquisa para ICMS Cultural. Em geral, postarei o texto final e depois as considerações acerca do trabalho, descrevendo o processo de descoberta das fontes e da ida aos locais de pesquisa. Começarei com o Sino do Porto dos Mendes.

1 comment:

andersonsoul said...

Olá! Trabalhei em Nepomuceno também, no ano de 2005. É uma cidade interessante, tem uma presença italiana que deveria ser mais valorizada. Ocorreram alguns problemas, um "pequeno grande medo" em relação a tombamentos.

Quanto ao Porto dos Mendes... que lugar! Espero voltar lá um dia. Abraço Liliane,

Anderson Silva, historiador.